Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2012

Rotina

A criação é hiperbolicamente uma doença que os meus olhos transportam. Escrever sobre o amor é uma doença congénita, escrever sobre qualquer coisa é uma tortura, uma agradável dor. As horas passam, o relógio está do avesso, o dia anda ao contrário, a rotina desrespeita a rotina, a hora de dormir é a hora que, outrora, seria a de acordar, a hora de acordar é a hora que supostamente deveria ser a d e lanchar. O relógio está do avesso, os ponteiros não andam ao contrário, simplesmente não respeitam o normal andamento das coisas. Poderia assumir, de forma incontrolada, que esta é também uma rotina e que dizer que quem o faz não segue uma rotina, é um atentado à palavra rotina, uma vez que, a pessoa apenas está a seguir uma rotina diferente e a desrespeitar a rotina comum. A normalidade das coisas é um atentado à própria palavra. Creio não haver palavra mais ambígua que normalidade. A normalidade pode ser fazer as coisas bem feitas estando fora da regra, o que a psicologia

Tempo

As margens foram passadas por todos os transeuntes, as fadas voaram tão longe como o solilóquio. As passagens intempestivas são tempestades de quem passa fome, de quem sabe que as palavras estão esfomeadas. Voam bem longe os loucos, voam bem alto os desertos que se descobrem em palavras vãs. De quem vai sugando os antecessores para alcançar a balança mesmo antes de chegar a pisar o primeiro degrau. De quem sabe bem que vai pisar o primeiro degrau. Voam bem longe os loucos, beijam bem perto os desertos. Nos lábios carnudos, nos lábios cinzentos de quem dizes que o tempo é um pretexto. O tempo sou eu e és tu.

Eu

Não é preciso ser muito inteligente para se dizer o que quer que seja. É simplesmente útil ser-se ignorante. Porque para quem sabe e sofre, nada precisará de saber, haverá somente de se continuar a sentir inútil e sozinho porque sabe, sabe que nada sabe. Nem sempre quem diz alguma coisa, atrai multidões pela sua capacidade de persuasão, sabe efetivamente alguma coisa. Admiro solenemente quem sabe alguma coisa, pois eu ainda estou à procura das que sei. Não tenho completa nem incompleta certeza nenhuma, reservo-me somente todas as incertezas do mundo. Se tiver que ser ignorante, que o seja, pois não vou querer saber nada. Posso até cair no ridículo de mim mesmo, de escrever de forma rude e calão, de parecer abraçar movimentos vanguardistas mas eu serei sempre uma indefinição que parece, por vezes, fácil de definir. Gosto de ouvir os outros a falar, porque os construo e construí-los é escutá-los. Posso ouvi-los, senti-los, tocá-los, virar o odor de todos eles como páginas gastas da

Oração do Poeta

Gato morre cão Pássaro morre sapo Homem morre não Humano vive não Poema sabe sim Poema soube não A luz da minha aldeia Sabe a dores de garganta Os olhos fecham abertos As aldeias morrem naturais Os poemas são surreais Que vivam os Pais Os pássaros estão loucos Cantam às quatro da manhã Ainda não é manhã Estou louco, bêbedo E ainda não álcool Estou embebido pelos meus olhos Que de lágrimas se cuidam Em poemas descuidados De verdades doentes Este é o poema Este é o poema Que se levante o Aleixo E não parta o queixo Com as coisas que vos deixo Passe a Pessoa E vos deixe à toa Como o rebanho do Caeiro Que queria cagar E não tinha como limpar o cagueiro O Bocage é o Rei Pena não ser Gay O A-berto ia gostar O Sá-Carneiro a cagar Com um cu por limpar Deve ao Fernando A poesia de quem vai andando Não escrevo mais nenhum poema Porque sou uma fonte de inspiração E para isso liguem a televisão Já pensei em escrever sobre o leitor ignorante Mas esse já não iria avante Porque uns escrevem Rap Outr

Está tudo bem

Está tudo bem O pior já passou A memória é traiçoeira As pessoas invejam a tua beleza Invejam o teu sucesso Está tudo bem, estou aqui Vou estar aqui, está tudo bem Vem, vem, vem É difícil perceberes quem te quer bem, Estou aqui! A novidade é interessante Tens vinte números novos no telemóvel, Não sabes de quem são Agarraste duzentas pessoas, Não as conheces Eu posso fazer melhor, Estou aqui Está tudo bem Podes ouvir Não há nada Eu levo-te à saída Estou aqui Está tudo bem Estou aqui Fecha os olhos Está tudo bem O resto não passou de um sonho mau Estou aqui

Paz.

As pessoas estão na rua As pessoas estão aos saltos A noite entra pela janela Do meu quarto, As memórias do passado começam a surgir Intempestivamente; Cores, muitas cores Pessoas, muitas pessoas Muitas pessoas Muitas pessoas A noite corre demasiado depressa A única lembrança é a do acordar Está bom tempo É madrugada Os pássaros às cinco da manhã começam a encantar Restam as memórias Os momentos para contar histórias As pessoas são bonitas Apetece-me abraçar toda a gente

Solidão.

As pessoas passam despercebidas Na rua ninguém sabe quem são As pessoas estão carentes As pessoas eram contentes Sozinhas, livres, leves, vazias, Sozinhas.

Abismo

Ao longe uma parede, um tiro certeiro que vai em direcção ao escuro, o vago é agora a certeza absoluta de um espaço melhor para se viver. Uma bailarina caminha em direcção a um espelho. O espelho é banhado a ouro, um espelho é diferente dos outros espelhos. O espelho está a cerca de trinta centímetros. A bailarina desmaia. Fica a sensação de que o espelho não sabe o que fazer. Sobressaltado, decide atirar-se para cima da bailarina e desmaiar também. Descrição holística   A bailarina tinha dezassete anos de idade, duas irmãs, vivia nos arredores de Veneza, trabalhava durante o dia numa Academia, era boa aluna, os Pais haviam falecido num acidente de carro, morava com os tios, gostava de flores, dançava para se esquecer do desgosto de ter perdido dos pais. A mãe tinha sido bailarina profissional. Para ter a mãe presente na vida dela, usava um colar de pérolas que a bisavó ofereceu à mãe antes de morrer. A mãe gostava de cavalos, de música clássica e de balé, nos tempos livres pin

Dispersão

Estou doente de amores Estou louco e ciente Estou consciente Estou cheio de lamurias e louvores A espada penetra-me a face esquerda do coração O tempo é linear O espaço é ar Fecho um poema ao pensar Estou louco e doente de amores Pela consciência de mim mesmo Que tenho ao saber quem sou Estou eu, estou tu, estou nada Estou tudo, tudo e no fim não sou nada Estou eu, estás tu, nós e nunca foi mais nada.